Clássico como poucos
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Grande clássico da literatura brasileira, "A morte e a morte de Quincas Berro D'água" merece toda a aclamação pois é realmente tudo isso. É uma obra seminal de Jorge Amado pois é daquelas que consegue capturar , em poucas páginas, a essência de sua literatura. Com traços bem brasileiros e especialmente baianos, esta é uma história praticamente carnavelesca, em que se mostrará a dualidade de uma pessoa: por um lado o exemplar Joaquim Soares da Cunha, funcionário respeitado e pai de família contido, e por outro lado Quincas Berro D'água, o maior vagabundo e agitador das noitadas baianas. Acontece que ambos ocupam o mesmo corpo, e ao morrerem entra-se numa disputa de qual memória permanecerá, do cidadão socialmente exemplar ou do bagunceiro das páginas policialescas. Esta análise do personagem acaba levando a considerações sobre o próprio Brasil e suas contradições, e as muitas mortes e vidas de Joaquim / Quincas mostram a multiplicidade que temos em nosso país, essas facetas que parecem inconciliáveis e vivem uma vizinha da outra. É uma obra bem profunda, ainda que curta e escrita rapidamente, em que a ficção e o aspecto mágico se misturam com a realidade e é mais real que o real. Todos os bons temas e a história exemplar não serviriam de nada se estivessem na mão de uma pessoa incompetente. Felizmente Jorge Amado é um escritor de primeiro naipe e sabe conduzir com graça, gracejos, erotismo, detalhes e riqueza sua narrativa. Bebendo fortemente das tradições orais, sua escrita é inebriante, contagiante como só os grandes contadores de histórias conseguem ser. Isto faz com que não tenha um momento de tédio e sim uma multitude de cenas marcantes, tanto entre a família correta como entre os amigos fanfarrões. Em suma, esta aqui é uma das obras seminais para a gente falar sobre literatura brasileira. É fortemente regional (ela é caracteristicamente baiana), mas também nacional e mesmo universal em seus temas. Daquelas coisas que dá muito pano pra manga em debates e discussões, seja entre amizades num bar ou no muito sério ambiente universitário. Cada detalhe da obra é digna de nota, o que também explica como conseguiram adaptar para tantos formatos diferentes esta novela. Enfim, um clássico é um clássico, né. A edição da Companhia das Letras é bem boa. Enquanto a parte física não tem destaque entre tantos outros livros, o posfácio divertido (ainda que nem tão profundo) de Affonso Romano de Sant'Anna, as capas de várias edições internacionais, o retrato do autor por Flávio de Carvalho, a foto das primeiras páginas desse clássico, a biografia resumida de Jorge Amado e o mundo em que vivia, as ilustrações e designs que esta história inspirou e também as fotos do autor junto inclusive de um de seus personagens, tornam esta edição tão bacana. Cada uma dessas coisinhas vai mostrar um tico da influência que Quincas Berro D'água acabou tendo, um personagem que, mesmo morto duas ou três vezes, continua vivíssimo no nosso imaginário.
Isaac
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