Romance Político
Recomendo
Vejo que há inúmeras críticas já expostas em relação à tradução da Editora 34; esse é um dos motivos que me fazem evitar de ler introduções e posfácios, onde há muitas opiniões de cunho pessoal. Os Demônios, apesar de considerada uma obra com fins panfletários, é um dos grandes romances de Dostoiévski. Neste livro somos transportados diretamente para o século XIX, onde a Rússia vivia fortíssimas tensões políticas e revolucionárias. Apesar das controversas diante do caráter da obra, os demônios são claramente expostos como um grupo de revolucionários socialistas. Há uma grande e obscura exploração por trás dos motivos e ideais que permeiam no grupo. Impressiona a capacidade de antecipação de temas de grande importância e que viriam a se concretizar somente no século XX. Um exemplo é a prefiguração do Übermensch/Homem-Deus, descrito posteriormente por Nietzche em Also sprach Zarathustra. Dostoiévski nos apresenta extremos e até onde podem nos levar as ideias Niilistas, que influenciaram fortemente a sociedade contemporânea. Também é impressionante como o autor consegue nos apresentar personagens que já conhecemos, mas ressaltando as suas peculiaridades e excentricidades, abrindo nossa consciência para uma investigação cada vez mais profunda de tais personalidades. Em cada livro de Dostoiévski há uma clara identificação com algum sujeito em particular, o que deixa o leitor atônito e atordoado. Apesar de classificar os demônios como um grupo de revolucionários, Dostoiévski é imparcial e também vocifera fortes críticas ao regime aristocrático que controlava a Rússia no século XIX. Em relação à política, neste livro são explorados temas como a espionagem, traição e articulação política, establishment e ideias que nos levam ao Nazismo/Comunismo da URSS, nos personagens de Chigalióv e Piotr Stiepánovich. Uma parcela de comunistas classificaria como Stalinismo, interpretando como uma espécie de "vertente" ou outra via do comunismo, na tentativa de livrarem Trótski e Lenin dos fantasmas e assombros de Stálin. Fico fora dessa discussão. Junto com a política, Dostoiévski nos sobrecarrega de existencialismo e outras filosofias que são a marca registrada do autor. Aqui são expostos temas como a relação entre o homem e Deus, os limites morais e todo o sofrimento da condição humana. É um livro obscuro e com personagens extremamente peculiares. Tenho a clara convicção de que o autor conhecia todos eles em seu íntimo, com uma precisão e profundidade absurda. Como há diversas interpretações em relação a obra, recomendo que leiam e tirem as próprias conclusões. Sugiro a investigação dos seguintes personagens: Nikolai Stavróguin, o lascivo; Kiríllov, o suicida; Stiepan Trofímovitch, um velho pseudointelectual com ideias falidas mas que aparentemente, é um dos únicos com um final satisfatório.
Júlio
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