Das coisas que não queremos saber
Recomendo
Otto Lara Resende foi escrachado quando publicou este livro de contos. Tanto que nunca mais aceitou republicá-lo. Aquela infância inocente e cheia de alegria de desenho da Disney não existe aqui. São sete histórias com protagonismo infantil; sete histórias em que o pior do ser humano vêm à tona e em que sentimos dor, raiva, incredulidade, nojo, indignação e uma tristeza sem fim. Ainda mais quando sabemos que esta ficção está mais do que baseada na realidade de todos os dias. Existe uma dor e uma desesperança aqui que não deviam pertencer a seres tão pequenos, um limiar que os coloca em encruzilhadas onde todos os caminhos parecem sem saída. Otto é enxuto, econômico nas palavras, direto nas ações e não faz juízo de valor. Ainda assim tudo nos toca tão intensamente! A sua escrita vai nos inserindo ali e acolá, mesmo que não queiramos, mesmo que não desejemos fazer parte daquilo, que não assumamos nossa responsabilidade social nessa empreitada, as desumanidades da nossa espécie, o nosso silêncio, a nossa omissão. Ao ousar ter escrito sobre o que não se fala, não se admite, não se diz, Otto fez um buraco no castelo de hipocrisia erigido pelas nossas nobres instituições: o Estado, a Igreja, a Família. Provocou reações coléricas e críticas que para além de analisarem a obra literária, desqualificavam e demonizavam o escritor. Isso lá em 1957. Hoje, segundo Massi, “já não é segredo para ninguém, Boca do Inferno é um livro notável”. Sabemos mesmo disso? Ou alguns de nós ainda diriam, como alguns críticos da época, que algumas situações aqui são inverossímeis? Há um detalhe sobre a arquitetura deste livro que Augusto Massi explora no posfácio e que eu já havia sentido durante a leitura: a narrativa vai num crescendo até o terceiro conto - terrível -, então dá uma pausa, vem um respiro com Namorado Morto. Mas aí, quando estamos relaxados e prontos para seguir, vêm três bordoadas, uma pior que a outra, culminando em O moinho, onde Otto arranca o nosso coração. É um dos finais mais tristes que já li; o medo, a vida sem esperança. Otto por si mesmo: “A ideia que faço de mim? Um sujeito delicado e violento. Delicado pra fora, violento pra dentro. Mas um poço de contradições. Um falante que ama o silêncio. Um convivente fácil e um solitário”. [1] Otto Lara Resende está aqui, em cada um destes contos. Notas: [1] De uma entrevista de Resende a Paulo Mendes Campos, citada no prefácio desta edição. O local Boca do Inferno, existente no primeiro conto e que dá origem ao nome do livro baseia-se no Buraco do Inferno, uma caverna localizada na base das Lajes de Cima, em Resende Costa, Minas Gerais. Várias lendas cercam o local, que é de difícil acesso, em virtude das lajes íngremes e à formação rochosa. Ainda assim, foi local de visitas e explorações, até que foi sendo abandonado aos poucos. Segundo um dito popular, há uma passagem que liga o Buraco do Inferno à Igreja Matriz de Nossa Senhora da Penha. Fontes: Jornal das Lajes, Pouso e Prosa.
Denise
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