Forma e conteúdo
Recomendo
No cenário contemporâneo da literatura brasileira, uma parcela bastante significativa de nossos romancistas se preocupa tão somente com os procedimentos metalinguísticos do texto, ou seja, com a forma, esquecendo-se de que há (ou pelo menos deveria haver) uma história por contar; mas acabam por atender, assim, aos anseios estéticos de seu público intelectualizado. Isso para não falar no onipresente egocentrismo da narração em primeira pessoa. Por outro lado, há os 'best-sellers' de sempre, brasileiros ou não, que contam alguma história, que mantém a tradição da 'grand recit', sem, no entanto, estabelecer qualquer compromisso com a forma, uma vez que esta não é uma exigência de seu público pouco afeito a sofisticações linguísticas. Natália Nami se posiciona ao lado dos 'happy few' que sabem como, e conseguem conjugar com sucesso forma e conteúdo. Prova-o este brilhante romance, que, assim como o anterior, 'O contorno do sol', demonstra que é possível sair de si e dos jogos linguísticos estéreis para se fazer boa literatura nesse país. Os primeiros capítulos, por sua aparente caoticidade, pela multiplicidade de cenários narrativos e pelo absoluto suspense, simplesmente colam o livro nas mãos do leitor, até que todos os nós ficcionais se desatem. Por seu turno, o cuidado com a expressão linguística, o delicado e elaborado processo de construção formal do romance, provoca no leitor um deleite estético cujo grande mérito é não constituir um fim em si mesmo. Ou seja, forma e conteúdo se conjugam num verdadeiro 'thriller' psicológico (mas sem psicologice), conduzindo o fio narrativo, harmoniosamente, a um clímax que nos faz crer que ainda se faz ótima literatura neste país, para além dos modismos que tanto fazem o gosto dos prêmios literários. Enfim, recomendo aquisição e leitura imediatas.
André
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