Lugar de honra entre os clássicos da literatura brasileira
Recomendo
Que delícia de livro! Água Funda, de Ruth Guimarães, costuma ser apresentado como um precursor do realismo mágico tão presente em obras de escritores latino-americanos, de Gabriel Garcia Marquez a Juan Rulfo. Sim, estão lá os acontecimentos inexplicáveis, os personagens encantados, as superstições que tornam aquela realidade dura mais fácil de suportar. Mas eu prefiro situá-lo como um precursor de Torto Arado, de Itamar Vieira Júnior. É o mesmo universo rural (no caso de Água Funda, o Vale do Paraíba, onde Ruth viveu quando menina), as mesmas desigualdades, a mesma opressão e os mesmos sonhos que parecem impossíveis de serem alcançados. A mesma tristeza. Tudo isso embalado numa prosa delicada e envolvente. Olha esse trecho, que lindo, descrevendo a Mãe de Ouro, uma entidade que vira a cabeça de um personagem que nela não crê a princípio, mas acaba ficando obcecado por ela: “Onde mora? Mora no fundo da terra. Onde ela está, o ouro brota do chão, que nem mato. O fundo do rio onde se acoita é dourado e brilhante que é ver um céu. A areia se estrela de escamas, tudo ouro. Quando vai mudar de lugar, vira uma bola de ouro, tão bonita, que parece fogo, riscando o céu. A gente enxerga um minuto só aquilo, avermelhado no ar. Depois some. Eu já vi. Vi com estes olhos que a terra há de comer, a Mãe de Ouro se mudando de Olhos D’Água.” Ruth Guimarães foi uma das primeiras escritoras negras a fazer sucesso no Brasil. Nascida em 1920, lançou Água Funda quando tinha apenas 26 anos. O livro foi elogiadíssimo pela crítica da época. Elogios mais do que merecidos. Água Funda tem lugar de honra entre os clássicos da nossa literatura.
Denise
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