O imitador inigualável
Recomendo
Thomas Bernhard é um mestre do subtexto. Ainda que o romance e a novela tenham espaço para desenvolver todo um arsenal (o que explica também a máxima do Cortázar que diz que o romance se ganha por pontos), é no texto brevíssimo bernhardiano que o nocaute é desautorizado, preferindo algumas cutucadas sutis. Estamos no terreno de situações que geram consequências a fogo brando, criando espaço para um tom entre irônico e acidental, como se o autor abrisse um mapa e apontasse lugares que encontram endereços sem saída. Em alguns contos, o absurdo tem um tom de fábula moderna. Em outros, uma pegada que pode lembrar, vagamente, esquetes do Monty Python. Exemplo como em “Espeleólogos”, que se dedicam a estudar cavernas e se perdem: (...) Como, porém, já no final de setembro ainda não houvessem retornado da caverna, formou-se uma equipe de salvamento, que, sob o nome de Equipe de Salvamento de Espeleólogos, lançou-se caverna adentro para ir em socorro daqueles espeleólogos que, originalmente, tinham entrado na caverna no final de agosto. Contudo, em meados de outubro, tampouco essa Equipe de Salvamento de Espeleólogos retornara da caverna, o que motivou o governo estadual de Salzburgo a enviar uma segunda Equipe de Salvamento de Espeleólogos para dentro da caverna. Essa segunda Equipe de Salvamento de Espeleólogos compunha-se dos homens mais fortes e corajosos do estado, munidos dos mais modernos equipamentos de salvamento em caverna, como se diz. Exatamente como a primeira, essa segunda Equipe de Salvamento de Espeleólogos de fato adentrou a caverna como planejado, mas ainda não havia saído de lá no começo de dezembro. Em consequência disso, o departamento responsável por espeleologia do governo estadual de Salzburgo incumbiu uma construtora de Pongau de emparedar a caverna entre Taxenbach e Schwarzach, o que foi feito antes do início do novo ano.” É claro que citar conto por conto aqui seria contraproducente. O fato é que nessas narrativas, Bernhard opera por um exaustivo registro de fatores históricos e coletivos pesando sobre uma opressão individual. O registro neutro que engloba uma série de infortúnios como incêndios, desastres naturais, enforcamentos, brigas por herança, que, lidos em conjunto, dá uma sensação do absurdo com que nos movemos na modernidade. Uma condição humana muitas vezes mesquinha e ridícula, com que o indivíduo se move na sombra da história.
André
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