Uma excelente narrativa para montar o quebra-cabeças do período Dilma
Recomendo
Considero este livro uma das melhores narrativas político-econômicas estudando o período de Dilma na presidência, de 2011 até o impeachment em 2016. O autor busca demonstrar que inicialmente Dilma tentou “acelerar o reformismo fraco” do lulismo, passando por seus percalços, oposições, tentativas, erros e insucessos, que formam um grande quebra-cabeças para o fracasso do lulismo nesse período, pois não se trata de uma resposta simples. Para tanto, lança-se duas definições do autor: um ensaio desenvolvimentista e um ensaio republicano. Sobre o ensaio desenvolvimentista, tentou-se implantar uma nova matriz econômica, tendo em vista um crescimento sustentável da economia com a reindustrialização nacional, aumento do emprego e renda, para superação da pobreza e do subdesenvolvimento brasileiro através do planejamento e promoção do Estado. Foram adotadas medidas “antiliberais” com o ativismo estatal, como a pressão para redução dos juros e spreads bancários (com uso dos bancos públicos e do BNDES), desonerações fiscais empresariais no setor industrial e setores intensivos de mão-de-obra, ampliação de MEI, investimentos e subsídios para estimular concessões em rodovias e ferrovias porém sem privatizações, reforma nas regras das concessionárias de energia para baratear o preço da eletricidade no setor industrial e com reflexo na conta de luz da população, medidas protecionistas do produto interno como a desvalorização do Real via controle de capitais estrangeiros, maior tributação de importados e programas de compras governamentais privilegiando a produção nacional. Mesmo em 2011, com a segunda fase da crise financeira internacional iniciada em 2008 (provocando queda no crescimento econômico mundial e declínio da taxa de expansão da China, grande parceira comercial do Brasil), a nova matriz financeira trazia uma conduta anticíclica para a crise, numa tentativa de sustentar o crescimento local. O autor não vê como problema o início da experiência, mas a falta de base para sustentá-la, pois estava-se “cutucando onças com varas curtas” (setor financeiro, importadores, empresas internacionais, rentismo) sem o devido apoio popular e mesmo uma conciliação sedimentada com a burguesia industrial. A “queda-de-braço” pública com o setor bancário privado, a mídia (nacional e internacional) de orientação neoliberal atacando o ativismo estatal frente a desaceleração do PIB (acusação de intervencionismo), empreiteiras descontentes com a imposição de uma modicidade tarifária, produtores de álcool descontentes com a baixa competitividade devido medidas governamentais para segurar o preço da gasolina, são exemplos de oposição sofridas pelo governo. Destaca-se o embate entre uma coalizão rentista (capital financeiro e classe média tradicional) e uma coalização produtivista (empresários industriais associados a fração organizada da classe trabalhadora), em que Lula arbitrava entre ambas, com suporte no subproletariado, porém Dilma iniciou privilegiando a coalizão produtivista. Para o fracasso da coalização produtivista, é apontando que os industriais foram progressivamente se afastando com a queda nos lucros durante a crise e com as medidas não tendo o efeito imediato esperado, aderindo a receita neoliberal de redução de custos através da diminuição da proteção trabalhista visando recuperar parte de seus lucros. O Banco Central também retomou o ciclo da alta dos juros, com o discurso da política monetária para segurar a inflação, mas carreando recursos que poderiam ser de investimentos para o rentismo. Faz-se importante também o trecho em que é tratada a encruzilhada de junho de 2013, iniciada com as inquietações de uma esquerda extrapetista, porém logo em seguida com as pautas das manifestações de rua tomadas pela classe média tradicional crítica ao “populismo” do PT, da carga tributária, insatisfeita com a inflação dos serviços, e com o tema da corrupção no governo, após intensa mobilização pelas redes sociais e a mudança no noticiário se tornando simpático as manifestações. Assim, logo militantes de esquerda começaram a ser rechaçados, e pautas conservadoras e antipolíticas dos protestos passaram a dominar as manifestações, iniciando até mesmo o aparecimento de grupos reacionários de extrema direita. Aponta-se a falha ao considerar a ascensão da pobreza para uma classe trabalhadora precarizada como uma “nova classe média”. Em vez de esclarecer que a ascensão era fruto de políticas públicas para as camadas populares, deixou-se a ilusão meritocrática dividir os trabalhadores, desviando seu olhar para a classe média em um ambiente cultural mundial com forte carga de uma socialização capitalista neoliberal. Assim esses novos trabalhadores precarizados passavam a ter as aspirações da classe média tradicional ao invés de uma identificação de solidariedade com o universo das classes populares. Nas manifestações de 2013, engrossavam os protestos a presença de maioria dessa “nova classe média” (trabalhadores precarizados), principalmente jovens com a frustração de que as oportunidades de ensino superior não haviam qualificado para empregos de melhor renda. Grupos neoliberais e conservadores se aproveitaram da oportunidade para moldar e explorar politicamente as insatisfações. Após esses protestos, Dilma promoveu uma virada em seu ensaio desenvolvimentista, e promoveu cortes nos investimentos públicos para satisfazer o mercado financeiro, ao mesmo tempo que tomou medidas para endurecer o combate a corrupção. Apesar das dificuldades enfrentadas, a presidente conseguir manter boa parte de sua base popular até 2014 através da continuidade e ampliação dos programas de integração social, baixo desemprego, valorização dos salários, ampliação das equipes de Saúde da Família e criação do Mais Médicos, construção de Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), resultando em melhoria da mobilidade social e redução da miséria (pobreza extrema). Porém, a partir de 2015, com o ajuste recessivo fiscal, queda nos investimentos públicos, correção dos preços administrados causando inflação, e economia em recessão, houve aumento do desemprego (causando novamente a queda de diversos trabalhadores para o subproletariado). A presidente esperava recuperar a “confiança do mercado” para retomar os investimentos, mas perdeu o apoio de grande parte da base popular que a havia reelegido, e sem o apoio do Congresso não conseguiu tomar as medidas para o retorno econômico. Sobre o ensaio republicano, o autor destaca que desde seu primeiro mandato houve por parte de Dilma uma tentativa de “faxina” dos interesses dos partidos clientelistas na máquina do Estado, e que foram retirados Ministérios e cargos importantes de partidos da base aliada suspeitos em casos de corrupção. Vários partidos se retiraram da base governista, e mesmo o PMDB perdeu espaços importantes. Enquanto se desfazia o sistema de alianças do PT, perdia-se apoio parlamentar, e Eduardo Cunha na Câmara unificava as forças parlamentares que o “ensaio republicano” havia descontentado, para se opor aos projetos do governo no Congresso. A partir de 2015, a perda da base de apoio no Congresso, fez Dilma retomar a tentativa de recomposição com o PMDB na reforma ministerial, além de cargos e ministérios para os partidos do “blocão” de Cunha na Câmara, um réves para o ensaio republicano na busca de recompor sua base parlamentar. Cabe uma parte importante sobre a operação Lava-Jato, com ações inovadoras de combate a corrupção com protagonismo do judiciário, alinhada à sua forma de comunicação midiática, mas também seu caráter tendencioso e seletivo para alimentar o antilulismo (livro de antes de serem descobertas as ilegalidades cometidas “em nome da lei” e ser determinada a suspeição do juiz Moro em diversos processos). Por fim, a saga golpista, com a ambígua justificativa jurídica do pedido de impeachment, a articulação e “chantagens” de Cunha também sujeito a cassação, a virada de Temer contra o governo e a formação de uma coalizão golpista, o “acordo nacional” para esfriar a perseguição política e investigações da Lava-Jato, até a votação do impeachment no Congresso.
Leonardo
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