Um povo que ganha voz
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Composto de vários relatos colhidos e organizados por Moema Viezzer, socióloga brasileira que conheceu Domitila na Tribuna do Ano Internacional da Mulher no México, em 1975, Se me deixam falar pode ser resumido em um testemunho de coragem. Natural de um país que durante décadas foi marcado pela instabilidade política, e cuja população se compunha, na maioria, de camponeses, operários e mineiros, Domitila viveu em meio à injustiça social, e logo deu-se conta do quando o trabalhador comum é explorado em seu país (não muito diferente de qualquer outro país. Esposa de um trabalhador da mina Siglo XX, sempre passou por privações: as moradias eram precárias e emprestadas; os salários eram baixos; o trabalho era perigoso e exaustivo; a educação e a saúde eram insuficientes; não havia outras fontes de trabalho para os jovens. Essa era vida de Domitila, este o único mundo que ela conhecia. Entretanto, não abaixava a cabeça. Ensinada pelo seu pai a não aceitar as coisas como elas são, ela sempre lutou para que os trabalhadores tivessem uma vida melhor, e para que a mulher, em especial, fosse mais respeitada. O relato, em primeira pessoa é simples, está divido em três partes: "seu povo", "sua vida" e "o que clama meu povo". Ao fim, segue uma entrevista de Domitila para Moema, sobre a publicação do livro. Do início ao fim, Domitila descreve o ambiente em que vive, os terríveis abusos cometidos pelo governo de seu país, pelo exército, e pelo próprio sistema capitalista, que causa a exploração incessante dos trabalhadores. Sim, Domitila é socialista. Ela recorre a alguns fatos históricos para nos falar desse mundo que conhece, dessa vida sofrida, dessa luta por dignidade. Mudanças de governo, golpes de estado, guerrilhas. Ataques armados, repressão, censura, prisões injustificadas, ameaças, tortura. Qualquer semelhança com nossa ditadura militar é pura realidade. Se você se interessa por causas sociais; se está atento às atitudes autoritárias de governos que se dizem democráticos; se critica o imperialismo, a busca exagerada pelo lucro, este talvez seja um bom livro. Caso contrário, pare já. Trata-se de uma história real, que recorta um cotidiano triste, desolador. Aqui não há nada de extraordinário ou fantástico, e nem a esperança de um final feliz. O que se vê, até as últimas páginas é sofrimento, pontuado por curtas passagens de otimismo e esperança, que logo se desfazem diante da força repressora do Estado. A luta sindical se faz presente a todo momento, e é um dos elementos mais importantes. Foi através do que aprendeu com seu pai (um militante convicto) e das experiências sindicais, que Domitila recebeu e fortaleceu seus ideais, tornando-se uma líder respeitada por seus iguais, e igualmente perseguida pelo governo. Os sofrimentos enfrentados por ela, aliás, são chocantes, e é difícil acreditar que tenha sobrevivido. A luta dos mineiros da Siglo XX teve repercussão durante a época, e foi feito em 1971 um filme a respeito, chamado A coragem do povo. A atuação de Domitila na Tribuna, no México, foi decisiva para seu reconhecimento mundial. Foi assim que conheceu Moema, foi assim que ganhou a oportunidade de tornar seu povo visível. Se me deixam falar pode não ser o primeiro na minha lista de intenções de leitura, e com certeza não entrará para a lista dos meus preferidos, mas é sobretudo um relato de força.
Lethycia
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