🚨 Não contém a íntegra dos livros! 🚩
Não Recomendo
Vejam o que diz a descrição do livro: «« Machado de Assis, no seu apogeu como contista, reúne nestes dois títulos aqui publicados juntos, algumas de suas obras-primas no gênero, como "Missa do galo", "O caso da vara" e "Marcha fúnebre". São 17 contos, nos quais o leitor encontrará o escritor no pleno domínio da técnica de narrar e da linguagem literária, de que foi mestre como nenhum outro na literatura brasileira. »» “Dois títulos aqui publicados juntos…”. Lendo isso, quem supõe que uma porção de textos dos dois livros, “Páginas…” e “Relíquias…”, foi extirpada? Para tanto seria necessário consultar os índices das edições originais, contar os textos de cada uma, somá-los e ver que chegam a 25, enquanto aqui temos indicados apenas "17 contos". O pulo do gato é que a editora trata o assunto de modo convenientemente alusivo. Na capa não está "Seleção" ou "Organização por Marta de Senna", mas "Preparação por Marta de Senna", o que camufla a informação relevante: foram agrupados neste volume os CONTOS de “Páginas Recolhidas” e “Relíquias de Casa Velha”, e deixados de lado os demais textos desses volumes — crônicas, crítica literária, discursos, peças teatrais e até um poema. O acabamento material do livro (impresso) merece todos os elogios. A capa é bastante bonita, o tamanho das páginas e da letra é agradável, o papel amarelado facilita a leitura. Mas o expediente enganoso que a editora utilizou ao vender dois pedaços de livro como se foram dois livros inteiros, precisa ser rechaçado: não é assim que se trabalha. Aos livros, agora; ambos são excelentes. 🚩 “PÁGINAS RECOLHIDAS” saiu em 1899, mas reúne basicamente textos esparsos que já haviam sido publicados em periódicos. Além dos oito contos que figuram neste volume da Martins Fontes, o livro original continha os seguintes textos: (a) um discurso de Machado sobre José de Alencar; (b) um comentário à correspondência de Henriette Renan, irmã do escritor francês Ernest Renan; (c) o famoso e brilhante retrato d’“O Velho Senado”; (d) uma peça teatral em homenagem a Camões, “Tu, só tu, puro amor…”; e (e) uma porção de crônicas, entre as quais “O Sermão do Diabo” (não confundir com o conto “A Igreja do Diabo”) e “Garnier”, esta por ocasião do falecimento do editor e livreiro. Todos eliminados da coletânea. Entre os contos que permaneceram, há uma série de pérolas em “PÁGINAS RECOLHIDAS”; destaco “Missa do Galo” e “Um Erradio”, pela forma paulatina como vão construindo as personagens que pretendem analisar. São histórias curtas em que o interesse primordial é a personalidade, mas que usam cenas e ocasiões para compor seus estudos psicológicos; aprende-se com eles que retratar uma personagem não significa falar exaustivamente sobre ela: é mister deixá-la agir, deixá-la falar, deixá-la ser investigada pelos outros, deixá-la seduzir e hesitar. “Lágrimas de Xerxes” é um diálogo a ser enxertado na peça ‘Romeu e Julieta’, de Shakespeare, que daria à tragédia do bardo um sabor mais irônico, amargo, cético; o conto tem como tema a dor de perceber de que, por mais que queiramos, não há feito humano que seja verdadeiramente dotado de eternidade. Tal temática pode também ser encontrada nos contos “Eterno!” e “Papéis Velhos” — este uma preciosidade estilística, com o traços distintivos do artesanato machadiano bastante evidentes. 🚩 “RELÍQUIAS DE CASA VELHA” (1906) é o último livro de contos que Machado de Assis publicou; continha alguns textos que já haviam ido à estampa de forma avulsa, e alguns inéditos. Além dos nove contos constantes deste volume, a versão completa de “Relíquias de Casa Velha” conta com os seguintes escritos: (a) dois ensaios críticos, chamados “Um Livro” — sobre as ‘Cenas da Vida Amazônica’, de José Veríssimo — e “Antônio José” — que comenta as obras do “Judeu” e a influência de Molière sobre elas —; (b) dois textos ligados a eventos específicos, a inauguração da estátua de Gonçalves Dias e a morte do escritor Eduardo Prado; por fim, (c) duas peças de teatro, “Não Consultes Médico” e “Lição de Botânica”, esta talvez a melhor peça teatral de Machado de Assis. A edição organizada por Marta de Sena também omite o soneto de abertura “A Carolina”, uma jóia absolutamente imperdível, monumento do grande amor devotado por Machado à esposa, falecida em 1904 — que merece memorização. Entre os nove contos de “RELÍQUIAS…”, há textos excelentes. “Suje-se, Gordo!” coloca-nos no tribunal do júri, para acompanhar um cidadão que aborrece a tarefa de julgar, e tem de lidar com a coincidência perturbadora de identificar no réu um velho conhecido; trata-se de conto bem-acabado e com muita fluidez, conquistada por um encadeamento de frases e acontecimentos que não deixam rebarbas nem fazem desvios inúteis. Destaco também “Um Capitão de Voluntários”, “Evolução” e “Pai contra Mãe”. Há neste último conto um grave retrato da escravidão, mas sem tom algum ativista, panfletário: Machado é um escritor de escol, e está a dialogar com mais de dois mil anos de literatura; seu interesse é a vida de pessoas, reais ou possíveis, e retratar a experiência humana no que tem de mais individual — ao mesmo tempo que mais universal — foi o único e verdadeiro mester de sua ficção de maturidade. CONCLUSÃO: Cada uma das coletâneas de Machado de Assis merece cinco estrelas, mas a edição, que induz ao erro e não contém a integralidade das duas obras, rebaixa vertiginosamente essa nota. Fica só com duas, e um piparote virtual.
T.
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